Circular nº 1

MATÉRIA VERTENTE  ─ VERBO E TRAVESSIA

Eu sei que isto que estou dizendo é dificultoso, muito entrançado. Mas o senhor vai avante. Invejo é a instrução que o senhor tem. Eu queria decifrar as coisas que são importantes. E estou contando não é uma vida de sertanejo, seja se fôr jagunço, mas a matéria vertente. Queria entender do mêdo e da coragem, e da gã que empurra a gente para fazer tantos atos, dar corpo ao suceder. O que induz a gente para más ações estranhas, é que a gente está pertinho do que é nosso, por direito, e não sabe, não sabe, não sabe!
João Guimarães Rosa
Grande sertão: veredas
Rio de Janeiro, José Olympio, 1972
8ª edição, p. 78-79

A literatura, matéria vertente que se faz verbo e travessia, é nosso tema. O vigor da literatura brasileira na escavação do humano que se perfaz em nosso país, na denúncia do inumano e do desumano que corrói as entranhas e a pele de nosso tempo, na dissonância questionadora do status quo apodrecido, e em meio a isso a grandeza de indivíduos que sobreelevam do pântano, esse vigor, representação da brasilidade e da humanidade em nossos dias, norteiam as linhas deste evento.

Realizam o 11º Seminário do GPLV o Grupo de Pesquisa Literatura e Vida, ligado aos Programas de Pós-Graduação da área de Letras do Câmpus de Três Lagoas da UFMS¹,  e o Grupo de Pesquisa Literatura e Dissonâncias, LIDIS, da Universidade Federal Fluminense. Nos dias 2 e 3 de maio, em Niterói, no Câmpus do Gragoatá da UFF, com apoio das respectivas instituições e da CAPES, o evento reunirá pesquisadores da literatura e de áreas afins para debater projetos de pesquisa, acolher comunicações, vivenciar mesas-redondas, propiciar interações e oferecer conferências

É da tradição do GPLV realizar seu Seminário de modo itinerante, já o tendo abrigado as cidades de Ituiutaba, MG, por duas vezes, e as unidades da UFMS de Aquidauana, Corumbá, também por duas vezes, e ─ nas demais ocasiões ─ Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul. Neste 2019, em Niteroi, RJ, o Seminário conta pela primeira vez com um convidado internacional, o Prof. Arnaldo Saraiva, da Universidade do Porto, que na Conferência de Abertura retoma o as questões do livro O que é erotismo, que lançou em Portugal há exatos 50 anos².  Trata-se, pois, de uma efeméride a ser comemorada, com um tema que era candente no final dos anos 1960 e que ainda agora continua central e polêmico.

Já a conferência de encerramento do Seminário terá por protagonista o Prof. Dr. Roberto Acízelo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, que abordará questões relacionadas à teoria da literatura, tais como sua fragmentação, seus limites, suas possibilidades e sua imprenscibilidade no nosso tempo. O professor Roberto Acízelo é um dos maiores estudiosos da literatura brasileira na atualidade, com diversas obras seminais no âmbito da teoria da literatura e no da história da literatura.

Outro encontro especial deste 11º Seminário do GPLV é a palestra com a premiada escritora Luisa Geisler, vencedora aos 18 anos, com sua obra de estreia, a coletânea Contos de mentira, do Prêmio SESC  2010 de Literatura, prêmio que voltou a ganhar, em 2011, com seu primeiro romance, Quiça . Com os dois livros, foi finalista do Jabuti, e com o romance também foi finalista do Prêmio Machado de Assis e do Prêmio São Paulo de Literatura. Seus textos já foram publicados na Alemanha, Espanha, Estados Unidos, França e Inglaterra.

Entre os demais convidados, há professores da FURG, da UEL, da UFES, da UFF, da UFMS, da UERJ, da UFRJ, da UNESP, da UFRRJ, da UnB e da PUC-RJ. São professores com diversas orientações de mestrado e doutorado e supervisões de pós-doutoramento, pesquisadores que são referência em sua atuação profissional e nas áreas que investigam. No evento, eles debaterão projetos de pesquisa de Iniciação Científica, Mestrado e Doutorado, apresentarão comunicações, dialogarão em mesas-redondas e qualificarão a discussão nas plenárias.

Anote-se, aqui, que o evento abre uma interlocução importante para o debate da interface do ensino de literatura, com discussões teóricas sobre o tema. A mesa sobre a Base Nacional Comum Curricular – BNCC e as recentes mudanças no panorama do Ensino Fundamental brasileiro serão objeto do referido debate.

A programação geral e em detalhes, as biografias dos palestrantes e dos conferencistas, e as e informações sobre os procedimentos para as variadas modalidades de inscrição estão disponíveis na página do evento.

Importa ressaltar outro momento de especial valor neste 11º Seminário do GPLV. É a primeira vez na história do evento que haverá lançamento de livros na programação. Destaque para o livro da escritora mineira Alciene Ribeiro, que com o volume Mulher explícita retorna ao conto após décadas sem uma nova coletânea. O livro marca também o início das atividades da Pangeia Editora, e foi organizado pelo líder do GPLV, Prof. Dr. Rauer Ribeiro Rodrigues.

Três outros lançamentos ocorrerão.

Também pela Pangeia saem dois volumes de artigos sob o selo do GPLV: os livros Literatura e Vida 1 – Interfaces  e Literatura e Vida 2 – Luiz Vilela . Outro livro em destaque é o Literatura e teatro: encenações da existência, lançado pela Eduff e organizado pelo Prof. Dr. André Dias, co-organizador e anfitrião deste 11º Seminário do GPLV, e pela Profa. Dra. Elen de Medeiros, da UFMG.

Este Matéria Vertente ─ Verbo e Travessia  se segue a diversos eventos maiúsculos realizados pelo GPLV, como o Para voar fora da asa  e o E agora, José?  Desse modo, mantém-se o espírito instigador que os grandes escritores provocam nos leitores, mesmo aqueles distantes no espaço ou no tempo, quando não em ambos. Se o deflagrador temático, para ficar somente nos eventos citados, já foi Manoel de Barros e Carlos Drummond de Andrade, agora temos por norte um conceito de João Guimarães Rosa.

Na epígrafe que abre esta apresentação, Rosa inicia o trecho em que surge a expressão “matéria vertente” dizendo saber que discorre sobre algo difícil, “entrançado”. Trata-se da vida recontada na narrativa do jagunço, em que o narrador incorpora o ouvinte, o senhor doutor, dizendo-se para seguir “avante”, ainda que sem a “instrução” do interlocutor (a princípio, mas com certeza não só, no sentido escolar). Desse modo, quer “decifrar as coisas que são importantes”, muito além da “vida de sertanejo”, uma vez que ─ conforme outras passagens do romance ─ o sertão é o mundo. Ao narrar, pois, seu microcosmo, o jagunço trata da “matéria vertente”, aquela em que discorre sobre medo e coragem, “da gã que empurra”, ou seja, da força, desejo e resiliência para agir, para mover o mundo.

Assim são nossos propósitos neste evento: com a alavanca dos estudos literários, mover o mundo ─ Galileu repetiu aos algozes: Eppur si muove!  Seja perto ou longe do que nos cabe, do que já é direito e por vias transversas se intenta amordaçar, ou por aquilo que somos e de que nos esquecemos, ainda assim, a terra se move, Galileu venceu as trevas, e nós a podemos mover, à terra, metonímia do espaço social em que militamos, com a gã coragem da matéria vertente que nos anima.

Venha participar conosco do 11º Seminário do GPLV.


André Dias
Líder do Lidis/UFF

Rauer Ribeiro Rodrigues
Líder do GPLV/UFMS

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